quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

[Sessão Crítica] Matrix Resurrections

Não é de hoje que revisitas à produções cinematográficas de sucesso vem ganhando espaço nas telonas. Ainda nos anos 2000, essa é a grande tendência. Nos anos 90, isso ocorria com seriados de TV da década de 60 mas aqui é diferente. Ainda naquela última década, a certa exploração tecnológica era o foco: reencontrar histórias conhecidas das audiências nascidas entre 1940 e 1950 e recontá-las com o maior luxo visual possível com uma abordagem noventista (muita explosões, pancadaria e muito humor). Já nos anos 2000, isso foi mudando desde o fatídico 11/09 e, agora, o incansável discurso político e social que vem tomando as redes. Os filmes hollywoodianos vem cada vez tomando um molde idealista. Matrix Resurrection é autocrítico, através da sua autoparódia, com aquilo que tanto busca. 

Lá no fim dos anos 90, Matrix chegou com uma cartilha de amor à tecnologia. Porém, suas mensagens, não eram tanto assim. Havia algo sombrio por trás dessa história: o perigo da tecnologia ou de se tornar escravo dela - já muito bem explorado por obras de ficção científica anteriores. Já dizia o grande Lucius: "- Bonito [...] e perigoso".  O que mudava aqui, era a certa inspiração com a cultura pop e a profundidade filosófica por trás de algumas obras que estavam realmente tomando espaço por ali (vinham de um certo lugar que chamam de: sol nascente). 

Resurrection agora tem a visão de apenas uma das duas diretoras (Lana Wachowski) e logo percebemos o tom e a diferença de caracterização de toda a obra - sentimos uma certa falta de duas visões diferentes trabalhando como nos filmes anteriores. Ainda assim, Resurrections não é uma obra fácil de absorver num primeiro momento - algo que muito se remete ao primeiro filme. Surpreendentemente aqui, nos deparamos com uma série de elementos e detalhes que assistindo apenas sozinho sem a visão de outras pessoas acompanhando junto pode passar despercebido. Nesse ponto, dá pra dizer que o fator replay nesse filme ganha para efeitos de valorizá-lo ainda mais tendo que assisti-lo novamente em algum momento e obter novas percepções sobre ele. 

Essa idealização de recontar histórias de outra forma, o bom cinéfilo já está familiarizado. Pegar uma história conhecida e recontá-la de outra forma é um investimento arriscado. Após o primeiro Matrix, a cinessérie não teve lá muita sorte em impactar o mundo do entretenimento da mesma forma mas as diretoras na época agradeceram o carinho da audiência e o reconhecimento por aceitarem as suas histórias - isso em um discurso do Oscar 2000 quando receberam as 4 e merecidas premiações técnicas e isso jamais será esquecido. 

A falta de discernir visualmente Matrix e o mundo real - como nos anteriores - ocorre aqui. E isso se dá pela paleta de cores: o tom esverdeado em Matrix e o tom realista do mundo real. Agora não existe mais essa distinção. Portanto, temos então ainda mais dúvidas do que respostas - reforçando teorias que pensadores costumam fazer sobre não existir mundo real na cinessérie.


Numa primeira impressão, o real problema de Resurrections não é se explicar demais e sim apresentar nomes muito específicos numa forma de se parecer interessante. A importância de Matrix quando surgiu lá em 1999 não estava no mundo em que ele apresentou mas, sim, a forma técnica como ele apresentou a tecnologia e a maneira como uma obra de ação poderia ser profunda ao interligar filosofia nele: tiros, artes marciais e filosofia junto a um mundo de ficção científica com efeitos visuais muito criativos e com muita qualidade. Porém, seu cenário - como universo próprio - é bastante genérico.

Há uma expansão dele, frente ao que vimos em Reloaded, apresentando uma evolução dessa sociedade ainda que muito pouco apreciável. Talvez porque as melhores direções de arte já tenham sido apresentadas em outros filmes do gênero e Matrix só tenha mesmo ficado com o bagaço da laranja. O cyberpuk é muito excitante (vide a visão de Blade Runner) mas a forma como é vista aqui é ainda menos luxuosa e limitada. Vale lembrar que Matrix ainda está lidando com um cinema de entretenimento e não com o cinema arte - ainda que seja louvável uma obra entregue a esse tipo de público e que ainda assim nos faça pensar. 

Ainda há pouca diversidade de ambiente e de tons para nos fazer acreditar de que se trata de um mundo real ou algo realmente grande mas que, com todo esse tempo, essa abordagem melhorou consideravelmente em Resurrections. Porém, a apreciação pelo mundo que ele apresenta ainda é fraca ou pouco atraente em relação a outros mundos de ficção científica que já vimos no cinema. 

E fica a questão: Ressurrections foi realmente necessário ? Se compararmos às extensões posteriores ao filme de 1999 - Reloaded e Revolutions - Matrix Resurrections acerta ao trazer mais camadas filosóficas que seus dois antecessores. Reloaded trazia muito mais ação e efeitos visuais - realmente explorando muito do que o filme anterior deixou como brecha, ainda que dava uma certa impressão de que eles nerfaram  enfraqueceram Neo; e Revolutions, parece ter sido só o casco do filme anterior: mais papo e ação mais convencional (sem a pirotecnia do filme anterior) com todo o confronto tendo mais destaque no mundo fora da Matrix e mais concentrado na ideia de encerramento. 

As duas sequências parecem muito distantes do filme de 1999 e mais parecem continuações despretensiosas: como aquelas produções feitas apenas para vídeo a fim de acompanhar o sucesso do longa metragem. Se fosse um desenho japonês, daria pra comparar o filme de 99 como "Movie" (longa animado) e as suas duas sequências como OVA (Original Video Animation ou Animação Original para Vídeo). Reloaded (2003) é sem dúvida a melhor sequência em comparação ao Revolutions (2004) - com um entretenimento elevado à estratosfera (e eu lembro muito bem da gritaria no cinema quando Neo surge do nada voando para salvar seus amigos no meio de toda aquela explosão). Como Laurence Fishburne (o antigo Morpheus) resumiu Matrix: "- O primeiro se trata de nascimento, o segundo de vida e o terceiro: morte". E aqui temos uma trilogia completa que define a filosofia Matrix. Mas e Rerrurrections ?

Anunciado 1 ano antes da pandemia (em meados de 2019), as produções rapidamente foram iniciadas já em Fevereiro de 2020 ainda intitulado como Matrix 4. Keanu Reeves retorna em visual novo: alguns associando a Jesus Cristo (apesar que é possível fazer, consideravelmente, uma comparação bíblica se considerarmos o conceito filosófico por trás do personagem como o "escolhido" que salvará o mundo). No caso de Neo, a busca pela salvação da humanidade é contra a escravidão ou o domínio das máquinas. Aqui, o jogo muda: agora a humanidade está no meio de uma guerra entre máquinas (nada muito diferente do que já tenhamos visto por aí). 

Testemunhamos a completa passagem de vida de Neo e agora a ressurreição (tornando ainda mais crível a comparação bíblica) e as constantes memórias sobre a importância de sua libertação: agora ele é uma celebridade, com admiradores, pelos feitos de salvar a humanidade. Ainda assim, continua a enfrentar os sacrifícios com um objetivo mais pessoal.

Neo pode ser o Jesus da cultura pop cinematográfica mas o destaque, ironicamente, fica com Trinity (Carrie-Anne Moss), aqui, assumindo um outro papel. Em teoria, Matrix acredita em reencarnações e apresenta isso quase como se fosse um filme dentro do filme com mais elementos da nossa realidade. Atualizar uma revolução do cinema como Matrix não é fácil para ninguém - ainda que seja por parte de suas criadoras - já que tivemos tudo o que realmente queríamos ver em termos tecnológicos - a não ser novas explorações como o cinema 3D sem óculos (interagir com um mundo de ficção como se estivéssemos dentro dele, parece ser o próximo passo da febre). 

Houve ainda uma questão respondida lá trás que Matrix jamais ganharia uma continuação após sua trilogia. Provavelmente, Lilly Wachowski tenha sido firme na questão mas Lana ainda acreditou em mais um. As irmãs haviam investido em outras grandes produções posteriores a Matrix mas nada que fizesse tanto alarde. 

Outro ponto positivo em Resurrections é aproveitar personagens que surgiram como ponta solta nas sequências - não só aqueles que voltaram para ser alívio cômico como aqueles que também voltaram para reconstruir essa história. O elenco que representa a nova geração de personagens convence e garante boas surpresas em pontos cruciais de desenvolvimento da trama. 

Num geral, quase tão confuso quanto o primeiro mas diverte: tem bons momentos de ação e bons diálogos (ainda que tenha um ritmo levemente exaustivo mas com fundamentos muito superiores aos dois anteriores). 


ATENÇÃO: FIQUEM DEPOIS DOS CRÉDITOS 


MEMÓRIA PÓS-CRÍTICA

- Jessica Henwick (Bugs) é uma personagem que trouxe frescor novo e é um dos destaques. Ainda durante a produção, a atriz alegou que Matrix Resurrections vai mudar a indústria do cinema.

- Da mesma forma que Bruce Willis careca quando retornou em Duro de Matar 4.0 (2007), Keanu Reeves em seu visual emprestado de John Wick (seu sucesso homônimo), caiu muito bem aqui. Melhor ainda com os óculos escuros: quase um "Jesus Superstar". A ironia em ter sido "deixado de lado" na trama, pode não ser bem vista por alguns.





- Jonathan Groff é o novo Agente Smith (na sua mais atual versão ou, melhor dizendo... nova evolução). O ator passou um considerável tempo procurando imitar toda a caracterização do icônico interprete original, Hugo Heaving. Ficou convincente e se saiu muito bem.  É bastante interessante observar agora um antagonista aparentemente mais jovem e mais habilidoso que o protagonista (na época do primeiro filme: jovem e inexperiente até sua descoberta). 


MEMÓRIAS DA SESSÃO

- Como descrevi na Sessão Crítica: "assistindo apenas sozinho sem a visão de outras pessoas acompanhando junto pode passar despercebido" e isso aconteceu, valendo a importância de testemunhar a reação da audiência na sala. Um espectador, há algumas cadeiras atrás, começou a explicar a relação de um personagem que apareceu ali modificado (afinal, como diabos saberia que era ele sem realmente me recordar do nome daquele personagem ?). [Contém Spoilers] E daí acabei sabendo que se tratava do Chaveiro (Matrix Reloaded) que voltou como um mendigo (voltou como alívio cômico após o reset do universo Matrix). [/Contém Spoilers] 

- O mesmo espectador que explicava sobre o personagem modificado, anteriormente, também comentou sobre a troca de sexo das duas diretoras (quando ainda eram os irmãos Wachowski) no primeiro Matrix.

- A sessão foi bem tranquila. Uma garota não parava de rir na poltrona (risadas fechadas assim como o de alguns outros). 

- Um espectador praticamente ligou a câmera na minha cara perguntando sobre algo que perdeu. Eu nem olhei direito pro lado e só balancei a cabeça negativamente. Depois perguntei se era algum celular e depois o mesmo esclareceu que era um fone de ouvido (se pensar que eu perdi 2 fones de ouvidos, que ganhei de presente, avaliados em R$ 2.000 numa mudança desastrosa, dá vontade até de chorar). 

- O espectador que procurava pelo fone de ouvido (branco, careca, com porte de academia), encontrou o fone próximo ao meu pé e depois levantou pra falar com duas espectadoras sentadas acima: "-Antes de vocês chegarem, tinha uma mulher aqui lançando  foto (com flash) direto, até botei a mão na frente para ela desistir". As garotas ficaram abismadas: "-Que absurdo!" e tal.  Essa volta aos cinemas está uma loucura. O cara com a esposa ao lado não parava de balançar a porra da perna e balançar a minha cadeira. Eu simplesmente levantei a cabeça na cadeira algumas vezes e já estava prestes a dar um esbarrão (paciência tem limite, né ?). 

- Assim que peguei a penúltima sessão, cheguei no balcão pedindo por posters e o atendente já veio dizendo que já havia acabado tudo. Um vacilo do UCI Kinoplex Norte Shopping ou da distribuidora (Warner) por trazer poucos cartazes.


GALERIA

- Cartazes incríveis de fãs


- Oficiais







SESSÃO CRÍTICA

MATRIX RESURRECTIONS

Sessão Acompanhada: UCI Kinoplex Norte Shopping - E 13 - 19:00 - 22/12/2021 (Quarta - Estreia Mundial)
Slogans: "Retorne à Fonte"

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