sábado, 22 de maio de 2021

[Muito Além da Odisseia] Quebra da 4ª Parede: Uma Teoria Entre Ficção e a Realidade

Cammy mostrando a linguinha na clássica abertura de Super Street Fighter II X: uma quebra de barreiras que estreita os limites da comunicação entre a ficção e o jogador.

A teoria da Quarta Parede é um termo que vem ganhando força nos últimos anos. Apesar disso, eu apenas lia a ideia como uma interação direta da ficção com a nossa realidade. Em alguns casos, essa ficção acabava sendo autocrítica, com o seu próprio mundo, para quem está assistindo na tela.

De forma inconsciente, eu sempre via esses elementos em desenhos animados, em sua maioria, e em alguns casos em filmes.

A primeira experiência em um filme foi em Curtindo A Vida Adoidado (1986), clássico da Sessão da Tarde. E eu achava aquilo genial e engraçado ao mesmo tempo - era como se fosse nós mesmos falando com a gente.

Logo depois, veio Esqueceram de Mim (1990), Kevin McCallister olhava para a tela e fazia aquela clássica cara de esperto balançando as suas sobrancelhas - ah, toda boa criança (com o seu toque de "ovelha negra" digamos assim) copiava mesmo antes de aprontar. Para mim, era identidade total. 

A Origem

Essa história de Quarta Parede vem da idade média. É uma quebra de tradição da teatralidade. Consiste em um palco e uma parede invisível que separa o público do personagem em apresentação. Normalmente, numa história em atividade, o personagem não tem noção de que o público está ali. Quando ele passa a ter noção ou entende que não há limite entre esses dois universos, ele passa a ter consciência de que você, que está lendo esse texto (sim, você mesmo), existe aí atrás do monitor. Por exemplo. Então, como não há mais limites entre ficção e realidade, ele vai conversar com você sobre as situações que ocorrem durante a atividade de seu espetáculo. 

Outras Teorias

Como é comum essa quebra de barreiras entre ficção e realidade, uma evolução disso - como assim podemos chamar - é a interação entre desenhos e humanos. Como é o caso de Uma Cilada Para Roger Rabbit (1988), Mundo Proibido (1992) e Space Jam: O Jogo do Século (1998). Dá pra ter 1 milhão de citações, mas a intenção desta história não é essa e sim facilitar o entendimento do que é essa viagem. 


Quando a Realidade Vira o Show

Para efeitos de versatilidade, nós temos algumas quebras dessa barreira - a 4ª Parede - tendo os Reality Shows. A febre começou no final dos anos 90. O programa Big Brother Brasil - importado de fora - é muito associado a um personagem do livro 1984, de George Orwell. Daí, é uma realidade observando e julgando toda uma realidade sob seus olhos - a realidade acaba se transformando no próprio teatro. 

A criação de John de Mol Jr. (o Big Brother da nossa realidade) transformou o conceito do livro num verdadeiro espetáculo para a TV. Nesse pensamento, é algo típico ao do filme O Sobrevivente (longa de 1987 baseado em livro de Stephen King). Participantes escolhidos precisam lutar pela sobrevivência - não em uma disputa de vida ou morte mas pela preferência da audiência. Esse conceito era algumas vezes explorado nessas obras da ficção futuristas e essa visão de futuro não só impressionava como também trazia uma visão assustadora e crítica daquilo que consumimos na TV. Até mesmo Jogos Vorazes, explorou essa ideia de forma bem satisfatória, chegando ao ápice em sua sequência: Jogos Vorazes: Em Chamas. Para quem não conhece, Jogos Vorazes é disparadamente a adaptação cinematográfica mais interessante dessa febre de contos adolescentes e infanto-juvenis da década passada (e um dos seus principais pesos é justamente essa interação e crítica que divide ficção e realidade). 

Ainda em 1999, quando os Reality Shows passaram a se tornar realidade e não apenas contos de ficção científica ou de terror, filmes de comédia dramática como O Show de Truman (que concedeu uma merecidíssima indicação ao Globo de Ouro a Jim Carrey) e Ed TV (Matthew McConaughey) se destacaram na crítica e se tornaram obras curiosas. Sem dúvida, O Show de Truman é o mais conhecido nessa empreitada, pelas indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar - 3 indicações, incluindo Melhor Montagem, Melhor Diretor (Peter Weir) e Melhor Ator Coadjuvante (Ed. Harris). Ed TV foi dirigido pelo premiado Ron Roward (da já elogiada refilmagem O Preço de Um Resgate). 

Já nos seriados da TV, podemos também considerar algumas nuances vistas em The Office (2005). As olhadas de Jim Halpert (John Krasinsk) para a câmera, pode se dizer que é uma verdadeira quebra dessa realidade com a nossa. Os depoimentos dos personagens são uma simulação criativa muito relacionada aos documentários - o conceito de biografia é outra quebra de ficção. Curiosamente, The Office é uma refilmagem do seriado inglês de 2001 e a primeira temporada é quase toda baseada no roteiro deste.


Quando a Ficção é uma fuga da Realidade

Em Matrix, filme de 1999, testemunhamos um personagem (Neo) preso em uma realidade semelhante a nossa dentro de um ambiente virtual. Para a imprensa, Neo era o exemplo de "Herói do Videogame" (era assim como estampava a capa do Rio Show do Jornal O Globo em sua estreia). 1999 era o ano em que produções do cinema explorou bastante essa barreira entre ficção e realidade, além de passar a nos questionar outras teorias a respeito do nosso próprio universo. Essa sensação de mistério e teorias, se bem amarradas e contadas na fórmula certa, acabam se tornando histórias impactantes que se tornam sucessos de público e crítica.  

A fuga de Neo daquela falsa realidade o trouxe de verdade ao mundo e a noção de que era um prisioneiro. Hoje, a tecnologia se intensifica cada vez mais e a audiência fica cada vez mais presa a ficção: as redes sociais, as notícias falsas, os vídeos da rede e as maratonas intensas de seriados em streaming. Tudo gira em torno da ficção. Mas, quando é que a humanidade vai se dar conta que aquelas publicações de paisagem do contato em comum não seja apenas uma fuga da realidade ? Ainda há produções que buscam trazer esse tipo de mensagem nos tempos atuais mas acaba por se tornar alertas temporários e somente os mais atentos poderão despertar daquilo que tanto os distraem. Por isso que, apesar de estar em quase todas redes sociais, eu prefiro usar ao menos dois com frequência para poder me dar conta de que preciso estar com os pés na realidade. 

E se tudo é uma grande brincadeira ?

Chaves é um seriado bastante consagrado no Brasil. E nele é algo muito parecido com os seriados de plateia. O personagem olha para a tela e comenta algo interagindo com o público, eventualmente. A linguagem do seriado é muito parecida com os desenhos animados - além de ser uma herança direta dos grandiosos espetáculos de circo. Chaves e todos os personagens criança são interpretados através de um corpo de um adulto - essa brilhante paródia é adicionada como se fosse uma mágica em cena sem que o público tenha noção dessa diferença (disfarçada através da completa e convincente atuação dos atores, que não tem noção disso,  no universo em que acreditamos). Fora isso, as risadas da plateia são na verdade simulações, um conjunto de engrenagens mixadas em áudio para simular o efeito de um vozerio. 

Desenhos animados como Pernalonga, Tiny Toon e, também, o filme da Disney: A Nova Onda do Imperador (2000) são alguns dos milhares de exemplos. No longa do Imperador, o personagem é um exemplo de ser crítico com o seu próprio mundo e divide os seus pensamentos com o público. 


Quando a audiência tem o controle da Ficção

E agora o público está dentro da virtualidade. A realidade virtual se tornou o auge mas ainda não chegou a sua perfeição como as obras de ficção buscam nos trazer. Se hoje existem as redes sociais e todos podem ser considerados, de certa forma, potenciais nerds ou viciados em tecnologia (também intitulados geeks), desde que a televisão passou a ter o controle do público, havia a necessidade de expandir essa interação para algo mais profundo: os videogames. 


Temos então a primeira ideia de experiência pessoal com a quebra da quarta parede em Street Fighter II. Assim que descobri que a Chun-li podia saltar para o canto da tela para ganhar mais impulso no ar, eu fiquei impressionado. Eu realmente não tinha ideia de como fazer aquilo até experimentar apertar o botão na direção contrária: se o direcional para trás faz ela pular para trás, obviamente, a sua direção contrária, a direita, faz ela se segurar numa parede invisível e pular para o ar (claramente uma referência às raízes da teatralidade desta tal quebra da quarta parede). Esse é o momento em que a audiência está tendo o controle da ficção e faz aquela ficção quebrar o seu próprio universo e acreditar que ele pode ser moldável de qualquer forma - nessa teoria, ela poderia ser capaz de saltar para a nossa realidade se assim a tecnologia permitisse. 

Talvez um limite de programação, mas a mesma quebra desta quarta parede pode ser vista assim que um lutador é derrotado - e o seu corpo é parado no ar (batendo  nessa parede invisível) e caindo no chão. Em Fatal Fury 3, o lutador derrotado pode ser jogado para fora da TV. Nos jogos da série As Tartarugas Ninjas o efeito é também muito parecido e mais caricato (um personagem é jogado e o corpo se choca na tela). 

Em Street Fighter IV, Seth realiza um estranho Ultra Combo (movimento especial com barra cheia) e absorve o adversário jogando o mesmo de cara para o telão de tubo, da mesma forma. 

Cody teria sido o primeiro a quebrar a quarta parede com um movimento especial de barra. Em Street Fighter Zero 3, com a barra Z ISM, ele executa uma série de combos fazendo referência a um infinito descoberto pelos jogadores hardcore mais experientes e obcecados em Final Fight. Cody repete o efeito de quebra de quarta parede em seu Ultra Combo em Street Fighter IV ao lançar o adversário para a parede com um taco (e a cabeça do mesmo fica preso a uma parede invisível).

Ainda em Street Fighter II Turbo, a Capcom aproveitou a criatividade da pirataria e lançou movimentos aéreos para os seus personagens, Ryu e Ken.

Segredos e falhas de programação, por vezes, podem quebrar esta realidade formada. Como é o caso de Conrad em Flashback: Quest for Identity: ao correr para a direção contrária a parede, e depois caminhar para essa barreira, Conrad percebe que esse objeto não existe. Esses truques costumam servir de elementos para atravessar estágios mais rápido ou, simplesmente, fazer o jogador ficar preso ou ter a morte certa no jogo. A grande verdade é que: nada disso existe, é tudo uma grande programação.

Outra grande quebra é o mega sucesso Programa do Hugo. Marcando aí como o primeiro personagem de videogame interativo na nossa TV.  Exibido pela CNT/ Gazeta, o programa é originário da Dinamarca. Tendo, inclusive, Orlando Viggiani como dublador do mascote. Sim, aquele que dublou Ryu. Logo depois, em 1997, a MTV estreava Garganta e Torcicolo, apresentado por João Gordo: nesse, os gráficos estavam mais ao estilo geração PlayStation. Em ambos os programas, a audiência e os convidados controlavam os personagens pelos números do telefone.

Nas cartas de revistas, os fãs enviavam artes e questionavam sobre fatalidades em Street Fighter II. Os famosos Fatalities de Mortal Kombat, se estivessem presentes em Street Fighter, sem dúvida alguma seria uma quebra de realidade daquele universo - trazendo elementos familiares reimaginadas pelo próprio público. Em 2000, houve o grande encontro: Street Fighter x The King of Fighters em Capcom v.s. SNK: Millenium Fight 2000. Esse grande embate de duas marcas de jogos de luta foi algo inesperado por uma geração que clamava por um Midway v.s. Capcom. Mas, ainda assim, era a quebra de duas realidades e a história do jogo era quase uma verdadeira brincadeira - já que quem melhor fazia era o próprio jogador. 

As comemorações, muitas vezes, existem interações do personagem eletrônico com a audiência atrás da tela. Em Mortal Kombat II, há ainda os famosos Friendship de Scorpion e Sub-Zero aonde os mesmos faziam uma propaganda para que o público compre os seus bonecos. Essa questão é muito fincada com a nossa realidade: a geração da cultura pop é um mercado fortemente apaixonado pelo capitalismo e pelo consumo.  

E SE A REALIDADE, NA VERDADE, É UM  GRANDE TEATRO ?

Talvez, a revelação mais surpreendente de todas é que o criador de Mario (Shingeru Miyamoto) disse que todos os acontecimentos de Super Mario Bros. 3 são na verdade atuações. Ou seja, todas as dificuldades que passamos não passava de uma grande ficção. 

Deadpool é um verdadeiro exemplo de personagem que vive num universo formado por um grande teatro. E realmente passamos a acreditar de verdade nisso. Rir e até se emocionar. Dizem que a origem de tudo isso nos quadrinhos é a Mulher-Hulk. 

No Brasil, temos o Capitão Ninja. Ícone dos quadrinhos brasileiros dos anos 90 criado por Marcelo Cassaro. O mesmo é muito comparado com Deadpool, que teve sua primeira aparição em 1991, mas Capitão Ninja também veio no mesmo ano, estreando de gaiato em Pequeno Ninja número 3 (Fevereiro de 1991). 

Após migrar para a revista Gamers, Capitão Ninja serviu de pretexto para mexer na realidade proposta pela cultura pop internacional e dar uma mexida mais brasileira a ela, trazendo Chun-li como a sua namorada neste universo. É claro que tudo é uma grande brincadeira para servir de inspiração aos roteiristas interagir o personagem com os leitores - despertando a eles emoções (gargalhadas ou pura raiva mesmo). 

A Ficção que foge da Realidade

E eu ainda havia me esquecido de Toy Story. Esta é a ficção que não deseja ser descoberta. Woody e Buzz representam, na realidade, o conceito de que os nossos brinquedos possuem vida longe da nossa realidade. Essencialmente, a humanidade que preserva encontra valor nos elementos mais simples. E através dos nossos sentimentos, eles possuem sentimentos. Assim como as nossas memórias.

Às vezes a fuga da realidade é a melhor saída para um mundo de aventuras. Questionamos então, se não existe alguma realidade que esteja tentando se esconder da nossa - como os segredos da vida além da Terra. Porém, quando então se cria a ilusão de que o lugar que estamos é apenas uma ficção simulada - sentir que a ficção pode te consumir - pode ser muito perigoso.

Portanto, é importante compreender que a criatividade pode ser infinita e tomar muitas formas. Quanto a realidade, não há uma certeza se não houver fatos concretos. Não existe uma certeza absoluta para tudo se não a verdade aceita para aquela ocasião. 

Em todo caso, domine a criatividade mas nunca seja dominado por ela.



Muito Além da 4ª Parede
Estreia às 15:00 deste Sábado.

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