domingo, 12 de março de 2023

[Em Defesa do OSCAR] Cinema Arte x Cinema Pipoca: Qual é o que vale mais ?

Top Gun: Maverick merece ganhar o Oscar dessa noite ?


Eu sou um acompanhante do Oscar desde 1995 e como um fiel espectador desde então eu tenho lido e de alguma forma me informado sobre o que realmente constrói a ideia de um vencedor candidato a MELHOR FILME. Existe padrões muito comuns que se repete em praticamente todos os seus vencedores. 

Também gira em torno aquela questão de que para até mesmo ser indicado precisa de uma campanha forte (o que também poderia interferir em seu resultado). Há toda uma polêmica sobre auto promoções nos bastidores (uma boca de urna) que posteriormente acabaram se tornando ilegais nas leis da academia. 

E também existem casos de juízes que não assistem ao filme todo - apenas uma cena específica (como, por exemplo, de um ator ou atriz) - para decidir a sua votação.

Esses casos (e 'causos') eu considero importantes e curiosos de saber mas existe uma coincidência: há um padrão geral entre os vencedores: todos são filmes de Drama. Independente do conteúdo que cada um de seus filmes tenham pois Drama é um gênero muito completo (acredito que o gênero mais completo do cinema).

Drama é um gênero que se molda pelo cotidiano: ele pode transitar entre Ficção, Suspense, Ação, Terror, Comédia, Romance, Policial e etc.

E o Drama fala muito ao coração - fala sobre seus personagens, de uma maneira muito profunda. Portanto, se você assistiu aquele filme impecável sobre um período histórico (a ponto de virar exemplo de estudo científico ou algo mais didático) e ele não foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, talvez ele não tenha tido o DRAMA suficiente para aprofundar em seus personagens. E eu não falo o Drama apenas sendo o pretexto da trama. O Drama precisa ser o foco principal da história e o período histórico que ela quer contar o pretexto (é ao contrário, entende ?). 


Muitas vezes, eu vejo a galera assistindo aquele filme de Ação genial e se perguntando por que ele não foi indicado ao Oscar de Melhor Filme. Então a pessoa descreve: "-Aquela cena genial do Batman salvando a mocinha caindo em cima de um carro numa acrobacia extraordinária. " - MEU DEUS, DO CÉU QUE FILME **** É O MELHOR FILME DO MUNDO, COMO ESSE FILME NÃO FOI INDICADO A MELHOR FILME, MEU DEUS DO CÉU?" Isso é o que o Oscar poderia dizer a você se ele tivesse como falar: "-  Mano, é só uma cena, nada demais."  Pois aquela cena específica se trata de uma categoria técnica e não o filme num todo.  

Eu vejo muita gente se revoltando porque Batman: O Cavaleiro das Trevas não foi indicado ao Oscar 2009 de Melhor Filme. Mas se olharmos, ele nem é tão complexo assim quanto a explorar seus personagens de maneira íntima. Existe sim um certo sentimento de um amálgama de vários elementos policiais e até mesmo de filmes de Terror e Fantasia (se levarmos em consideração a presença do mocinho e vilão: Coringa e Batman, na história) mas ainda possa parecer um filme estranho, confuso ou até mesmo 'capado' se compreendermos de que ele é a primeira experiência de um expectador com aquele tipo de história - pois Batman: O Cavaleiro das Trevas é uma sequência de Batman Begins. Se ambos fossem um único filme ou o melhor: se Batman Begins, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge fossem um único filme, mostrando a ascensão e queda de um Super-Herói, quem sabe, ele não teria uma grande chance ? A Trilogia O Cavaleiro das Trevas é muito bem desenvolvida e encaixada se assistida na sequência - quanto ao desenvolvimento emocional de seu protagonista, por exemplo, fora o destaque do merecido e eternizado Heath Ledger como o Coringa (e imagine se ele ainda estivesse vivo para fazer o terceiro filme de 2012?). Seria algo bem próximo ao de O Poderoso Chefão, por exemplo: a primeira saga do cinema a ganhar Melhor Filme duas vezes, tanto o primeiro quanto o segundo - pois o segundo funciona ainda muito bem se ele for a sua primeira experiência com a cinessérie (ele consegue trazer flashbacks de um ponto de vista diferente e contar uma história de origem).

Há também toda uma questão de que temas sociais e políticos daquele período poderiam influenciar emocionalmente a vitória do filme candidato ao Oscar de Melhor Filme. É verdade que todo um movimento externo ajude mesmo na campanha. Filmes de holocausto sempre foram muito bem no Oscar - coincide bastante com todo um impacto interno e emocional envolvendo a história do mundo sobre a perseguição aos judeus (e, historicamente, temos muitos membros na academia que são judeus). 

Os Caçadores da Arca Perdida é um verdadeiro entretenimento sobre um aventureiro que soca nazistas na Segunda Guerra Mundial em favor de proteger um tesouro roubado por eles. Pode parece um ponto fora da curva: um filme de Aventura e Ação indicado ao Oscar de Melhor Filme em 1982 ? Você não viu que existe aí um envolvimento muito familiar aí ? Nazistas perseguiram os judeus na Segunda Guerra e o Indiana Jones é a representação do 'super-herói' que está fazendo a justiça por eles (os representantes da academia do Oscar). Fora isso, temos um protagonista fragilizado - o mocinho pode sangrar e até mesmo morrer (pois ele tem seus erros e suas ambições). Há uma complexidade humana envolvida e o entretenimento (a ideia de ser quase uma Comédia de Ação ou uma Fantasia) é só um pretexto para apresentar esses elementos físicos que colocam o expectador dentro da história (e isso sensibiliza o Oscar). 

Talvez essa combinação de elementos explique porque Top Gun: Maverick está entre os indicados a Melhor Filme. A forte campanha também ajuda: sim, estamos num período de recuperação do cinema - após uma avalanche de sucesso de filmes Marvel e, do nada, o impacto fulminante e inesperado da pandemia combinada a um longo tempo de isolamento social e a tecnologia dando espaço para que as pessoas não saiam mais de casa. 

Há quem seja contra Top Gun Maverick estar ali. Todo mundo apostou em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, talvez por causa de Pantera-Negra ter tido uma chance no passado. Mas vale lembrar que Pantera Negra houve mais que uma campanha impulsionada por um sucesso de bilheteria: um movimento social pela conscientização negra nunca tão forte no mundo justamente porque realmente há um movimento social muito mais forte hoje do que era nos anos 90 ou 80, por exemplo. Em 1989, A Cor Púrpura foi indicado a 11 Oscars e não levou nenhum, isso revoltou todo um movimento que na época não existia com tanta força e união como existe hoje num mundo que cada vez mais busca por construir um comportamento mais pacífico e igualitário entre preferências de gênero e minorias somadas. Países mais novos que não falavam de política e hoje estão falando de política e o Oscar dando mais atenção a filmes menores (e isso vem desde 2007, pelo que pude observar).

Também vale lembrar que Pantera Negra - em combinação a febre dos super-heróis - trazia um personagem como um símbolo da cor negra e isso é muito difícil de acontecer. Pois geralmente vimos super-heróis negros controversos ou anti-heróis negros no cinema mas não com os valores de um 'Super-Homem' vistos em Pantera Negra: com valores morais e até mesmo representando o aspecto de nobreza. Muitos também focam nas atitudes políticas do vilão da trama o comparando a visão dos grandes pensadores negros do século XX o que gera uma interessante discussão (e tudo isso agrega o motivo pelo qual Pantera Negra foi o primeiro filme de super-herói lembrando na categoria Melhor Filme do Oscar). E isso tudo vai muito além de suas qualidades técnicas observadas (que nada mais nada menos são do que cenas marcantes e não a ideia de um filme num todo). 

Se a história sobre a África a qual ele apresenta não tem realmente a ver com todo conceito geográfico e histórico real, isso não é importante. Por que é como eu disse e reitero: o Oscar não observa exatamente o conceito técnico para consagrar um título a uma indicação a Melhor Filme mas o coração dele. Quando você fala que a história de um filme não tem lógica histórica e ele está nos indicados a Melhor Filme, vale lembrar que esse é um filme com esse contexto imaginário histórico. Ou seja: pode ser um filme com Segunda Guerra Mundial ou um filme com dinossauros (como é o caso de Jurassic Park) ou um filme com a tragédia de um navio mas ele não precisa exatamente ter esse foco didático (por isso que Titanic não foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro, já percebeu ?).

E quando lidamos com essas 'cenas marcantes' citadas anteriormente, estamos lidando muitas vezes com qualidades técnicas que geralmente envolvem sugestões para Melhor Montagem ou Melhor Edição ou Melhor Fotografia ou, de repente, Melhores Efeitos Especiais, por exemplo. Talvez, por escolha do público comum, isso tudo se categoriza a ideia de um Melhor Filme (ou Filme do Ano) mas se tratam apenas de filmes com ótimas cenas memoráveis. 

E o Oscar realmente valoriza memórias afetivas, mas de uma maneira diferente. Essas memórias afetivas precisam estar intimamente relacionadas ao protagonista do que no espectador (aquela cena específica de ação). Justamente porque, para o Oscar, muitas vezes, a ideia de uma história simples agrada mais do que uma história complexa e cheia de explicações esmiuçadas (isso depende muito, se a edição não deixar isso tremendamente cansativo). 

Você que é do cinema dos anos 60 deve ser perguntar: "-Esse Oscar é uma furada porque não indicaram 2001: Uma Odisseia no Espaço como Melhor Filme" daí vale lembrar que ele cai naquele conceito de filme 'explicativo demais'. Ele é um marco indiscutível do cinema. Mas, assim como eu poderia destacar Matrix (para o fã do cinema dos anos 90) eu poderia considerar que 2001 é um filme complexo demais para aquela geração e o Oscar também não é chagado a filmes complexos - o filme precisa ser familiar e transitar entre ser um filme pipoca (embora nem sempre) e cinema arte (ainda que seja uma pitada dele). Sendo que, independente da temática, o filme precisa prezar o Drama de um homem (ou de uma mulher) e deixar todo o resto como pretexto: não importa ser for um cenário histórico, uma ideia de um filme de grande sucesso (o conhecido cinema pipoca) ou a ideia de um cinema arte (o conhecido estilo de filme complexo demais que chega a ser visionário).

Hoje eu vejo crítico que me parece buscar um argumento muito limpo sobre: "- Eu preciso mostrar que sou culto" e desmerecer aquele filme de grande sucesso em favor de um filme menor. A verdade é que eu vejo excelência nos dois estilos e o cinema precisa dar atenção a esses dois estilos. E é por isso que se Top Gun: Maverick supostamente ganhasse Melhor Filme seria algo muito surpreendente e a expectativa é de incentivar um gás ao cinema de Ação - um gênero que realmente precisa se reinventar de verdade. 

A gente sabe que os filmes de super-herói tem ação mas é um subgênero moderno que chegam a ser comparados até mesmo aos de Faroeste. Dentro dos filmes de super-heróis, vemos o nosso próprio mundo em um mundo paralelo com amálgama de gêneros dentro dele e a discussão social - e ás vezes político - estão sempre presentes de alguma forma. A outra questão são os filmes de Comédia e de Paródia (seus subgêneros) que estão esquecidos no churrasco - mas isso é um assunto pra outro set. 


Diante dessa discussão sobre o cinema esquecido (Top Gun representando os filmes de ação tradicionais ou os grandes sucessos que não são de super-heróis ou de uma tribo urbana específica) chegamos então, mais uma vez, ao coração do Oscar. O sentimento de memória afetiva está muito bem representada em Top Gun: Maverick mas, talvez, a campanha externa de ver o filme como uma visão machista possa atrapalhar a importância desse resultado. 

Vale lembrar que no Oscar anterior houve a polêmica do tapa do Will Smith em Chris Rock e talvez a academia esteja tentando se afastar dessa imagem (a visão machista e opressora) até mesmo para não somar problemas que rotulem a academia no mundo moderno hoje: as redes sociais tem vozes que marcam para sempre pois tudo estará ali gravado e discutido em textos e vídeos acessados por qualquer pessoa no mundo todo.  Talvez, por isso, o Oscar ciente do mundo o qual estamos, há mais vozes dos grupos de sensibilização social e qualquer ato que possa parecer uma afronta às minorias, a voz não será apenas dessa minoria mas do mundo globalizado que busca também surfar nesse engajamento e reforçar o movimento com suas campanhas empresariais (seja por auto promoção ou para somar com instituições específicas a esse movimento).   

E é por isso que uma parte da mídia sentiu que existia algo estranho:  não existe um movimento forte de minorias nesse Oscar 2023. A temática aqui é celebrativa de outra forma. Há também quem acredite que exista uma tentativa de fugir da má imagem de 'dois negros brigando no palco' - aquele tipo de teoria da conspiração - e daí, desconsiderar certos filmes temáticos na premiação (como é o caso de A Mulher Rei). Não acredito que seja levado a esse nível estratosférico de exagero - a verdade é que a gente acaba caindo naquele discurso fácil de: "-É uma questão de campanha" mas também está relacionado a temas específicos (vale lembrar que pro Oscar o cenário precisa ser sempre um pretexto pra entregar o drama do protagonista). A gente tem muitos filmes históricos bons mas não adianta ser didático, precisa ser um filme com temática didática sobre um personagem (ele é o centro ou 'este grupo' é o centro). 

Acabei então acompanhando outras premiações mais a fundo (considerados termômetro do Oscar) e encontrei alguns detalhes bem específicos que reforçam aquilo que eu já penso. Para o Oscar, um filme como Los Angeles: Cidade Proibida é muito interessante mas ela realmente premia e valoriza aquele filme que não é só de um trabalho técnico maior mas que os protagonistas falam mais ao coração - e é o caso de Titanic: injustiçado por não ganhar Melhor Filme no Critics Choice Awards 98 ganhou o Oscar 98. Mas aí eu vejo gente dizendo: "- Mas, e Los Angeles: Cidade Proibida ?" eu sei que tem sempre algum no meio do tiroteio que chega no final da festa pra tentar fazer uma polêmica. Esses eu encaro como os futuros críticos publicitários na internet (aquele que sempre é o último a postar algo para parecer O GRANDE SÁBIO da parada). Chegam ali no contraditório só pra ter atenção para si. Você provavelmente já tenha lido por aí uma certa crítica negativa sobre Vingadores Ultimato em um certo jornal (quem aí não se lembra do famoso 'Vingadores: Ultimato é o Filme Mais Chato de 2019'): o crítico detonou o filme todo enquanto os verdadeiros profissionais aplaudiram o filme calorosamente. Isso, querendo ou não, ajuda no engajamento para si. Aacabam querendo comparar o Oscar nessa política: "- Se eles premiarem Top Gun: Maverick, é pra tentarem se auto promover." é o que sempre diz o crítico publicitário (que ignora a avaliação positiva em geral pra considerar apenas a sua). São esses mesmos que criam conteúdo para agradar a um público tradicional que nunca se interessaria por esse tipo de premiação e que nunca considerariam uma intenção positiva nesse resultado afim de desmerecer o Oscar como uma premiação irrelevante.  

E é essa ideia de crítico publicitário só piora quando vemos que isso evolui para o audiovisual (temos agora uma cabeça falante e não mais um crítico de texto). Mais um tema que poderíamos desenvolver melhor num outro set.

Diferente desse público tradicional que tem preferencia por outras atrações (como algum Campeonato Brasileiro de Futebol, por exemplo), eu considero o Oscar a atração mais importante do ano. Tão importante quanto quem acompanha apurações de escolas de samba, por exemplo. 

Se há quem se interesse por premiações que valorizem elementos específicos, eu prefiro o Oscar por premiar o filme no seu conjunto completo - ainda que ele estabeleça seus padrões de cada ano ou cada período de um interesse social ou político. Pois eles atendem um elemento em comum que é o que eu sempre busco nos filmes desse período: aqueles que me reservem uma experiência de jornada emocional completa (e o resto é só pretexto pra isso). Mas esse ano, com Top Gun: Maverick, eu penso diferente: existe uma preocupação grande com o destino do cinema americano após um período de crise.

Claro, o Critics Choice é importantíssimo. Mas dá pra ver que é um tipo de premiação que premia seus filmes pelo roteiro do que pela produção. Se o roteiro é excepcional, ele vence. Porém, para o Oscar, a produção é o coração: além de todo o elenco precisar atuar bem, precisa existir uma forma do espectador estar dentro do filme como um protagonista. Talvez seja por esse motivo que eu veja Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, por exemplo, um possível grande vencedor da noite do Oscar 2023. Mas eu torço por Top Gun: Maverick, pois eu sinto que o cinema tradicional de sucesso precisa de um empurrãozinho - especialmente, aquele cinema de ação dos anos 90 que ficou parado ali atrás: a última década em que os astros eram o rosto dos seus filmes e não os personagens, por exemplo - apenas Tom Cruise hoje tem mostrado esse feito. Talvez até o Keanu Reeves esteja também se mostrando um futuro reinventor desse cinema de sucesso. 

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