segunda-feira, 28 de março de 2022

["G.I. Jane 2"] Por que o humor negro deve ser bem utilizado


O Oscar 2022 aconteceu no último Domingo (27) e o assunto mais comentado e, como previsto: o conflito entre Will Smith e Chris Rock no palco do Teatro Dolby. Chris já previa: " - Essa foi a melhor noite da televisão. ". E o colega apresentador prosseguiu com a atração como se tudo fizesse parte do script. Não é a primeira vez que vemos isso em cerimônias do Oscar e tampouco em outras premiações - uma situação inusitada em meio a uma exibição ao vivo e o ator que apresenta seguir com o script. Enfim, para o bem ou para o mal, tudo faz parte do show. Afinal, é Hollywood, não é mesmo ?

A princípio, vale considerar que esse assunto em questão é uma continuação indireta dessa situação aqui. O humorista que decide fazer humor negro, precisa por em mente uma coisa: Qual terreno está pisando ?

Vamos imaginar uma situação hipotética : sem ter muita opção, a pessoa acaba se obrigando a trabalhar num ambiente "pouco hostil" e tem que ficar constantemente aturando rótulos disfarçados de piadinhas todos os dias: aquelas brincadeirinhas de crianças de 7 anos falando de aparência ou até mesmo dando um gênero ou uma raça distinta daquele perfil o qual a pessoa nasceu e foi predestinada. A pessoa, lidando com isso tudo, é sábia, tem mais estudos ou até uma formação acadêmica maior do que aquelas hienas costumam rotular. Para se proteger, até por questões de não correr risco de vida, prefere não se expor pessoalmente, não conversa e  passa a se tornar uma pessoa reservada. 

Essa história em questão chega a parecer coisa dos tempos de escola, mas significa que a forma com que lidamos com certas situações que parecem bobas não muda muito na idade adulta. Isso piora quando existe toda uma estrutura em conflito: seja por um país em guerra ou uma crise mundial ou simplesmente um abalo familiar - chegamos então nessa terceira situação em questão.

Não sabemos o suficiente sobre as dificuldades ou as experiências que Will Smith ou Chris Rock tiveram em suas vidas. Só o vemos como as celebridades. Só avaliamos as reações sem questionarmos o motivo que levou a aquelas ações. 

Ninguém aqui pode dizer se Chris realmente sabia da doença de Jada. 

Aí um aleatório responde dessa forma: "- Você acha que ele não conhecia a mulher de uma pessoa pública ? Um dos atores mais famosos do mundo ?" Sr. Ghost, você é só mais um anônimo como qualquer um nesse trem, ninguém aqui é o melhor amigo do Chris Rock para saber se ele realmente sabia da doença. Isso passou a se tornar comentado depois do ocorrido. Mas se ele sabia da doença e do pavio curto do Will e fez essa piada - para provocar o casal - ele tá errado sim. E tá mais errado do que a reação do Will Smith. 

A cultura da internet desde que eu conheci o lado cada vez pior dessa postura debochada e do humor negro de má qualidade lá em meados de 2006, é que a persistência em defender o errado como certo se torna lei desde sempre. A questão é: o sarcasmo pode ser justificado mas a reação a esse sarcasmo mal resolvido, não. 

Quer melhores palavras ? Eu vou mandar: qualquer um pode tirar onda com a aparência de alguém - mesmo não tendo intimidade pra isso - mas, aí, quem reage, precisa saber reagir. O autor de quem fez o deboche, não tem regras pra isso por que são apenas palavras e palavras são inofensivas enquanto a força física aí, não, a força física machuca. A força física, não pode. A pessoa que recebeu a ofensa, precisa abaixar a cabeça e se recolher em sua insignificância.  A verdade é que palavras são uma surra silenciosa que nenhum vídeo ou câmera fotográfica ou um print de computador podem registrar. Ela destrói porque fica na mente. E o pior, nem sempre ela pode ser provada. Mas um tapa, um tapa ele fica registrado. Uma mordida na orelha em uma luta, marca para sempre essa pessoa cheia de cicatrizes internas. Quando ocorre uma quase reação física da outra parte, ela não é registrada porque a ameaça só quem viu é aquele que reagiu por legítima defesa. Só que essa legítima defesa é condenada pela sociedade.  

Infelizmente, o sarcasmo tem palco, tem plateia, é sedutor pelo carisma e é multiuso. Reagir por impulso em protesto, é deselegante. Nas palavras de uma mente infantil: - É feio. E quem reage assim, é feio.  

No pensamento do debochado com PHD em sarcasmo, está mais errado quem reage de forma física um deboche. Quando, na verdade, palavras matam mais que um soco. Da mesma maneira que quem é abalado psicologicamente tem tratamento, quem leva uma surra também tem tratamento. Tem médico pra todo mundo, ninguém precisa se preocupar com isso. Só que o humor negro precisa ser bem utilizado mesmo. E nos tempos atuais, mais do que nunca. Enquanto uma breve agressão física pode levar alguns dias de recuperação, uma agressão verbal pode causar danos para uma vida inteira.

Humor negro, já disse e reitero: ele precisa ser usado para combater o mal e não para atacar pessoas. Ele precisa ser crítico e não o mal que ele combate. Claro, cada um interpreta da forma como quiser, mas eu acho que quem realmente é muito conectado e lê os noticiários, sabe pra onde vai tanta liberdade de expressão. Temos que passar a medir as nossa liberdades e nos adequar ao cenário e às pessoas com quem estamos lidando. Respeite para ter respeito. 

E não é só no humor, não. É em tudo que se escreve ou se fala na vida: saber pensar antes de agir. Isso é algo que deveria ser adotado. Filosofia tinha que ser matéria fixa na escola. Talvez assim, muitas mentes não seriam tão ignorantes a ponto de acreditar que só existe uma única forma de se fazer humor e que todo mundo vai levar numa boa. 

Mas, pensando no lado do Chris, e se tudo isso não foi um deboche gratuito ? A verdade é que ele tentou referir a aparência de Jada à protagonista de um icônico filme de ação dos anos 90 estrelado por Demi Moore - ficou famosa também por ser "a mulher do Duro de Matar, Bruce Willis" estrelando um filme de ação só dela. A obra ficou conhecida por aqui como Até o Limite da Honra (G.I. Jane, no original). Na história, uma militar raspa a cabeça para integrar a equipe de soldados da marinha em um treinamento verdadeiramente pesado. Como um verdadeiro homem, Jane precisa provar o seu valor de soldado. Bom, na década de 90, as heroínas empoderadas ainda tinha aquele estereótipo que hoje em dia considerariam masculinizado para os padrões. Até mesmo Madonna chegou a fazer uma música que deu o que falar: Express Yourself - uma das iniciativas que provocou o movimento feminista quando a própria Madonna se auto intitula a líder cobrando iniciativa de todas elas e do próprio movimento gay, hoje parte do LGBT (todo esse movimento não ganhava todas essas nomenclaturas ou tinha grande expressão como se tem hoje).  Não havia um certo cuidado de suavizar protagonistas femininas em torná-las Rambo nem um pouco (quem se lembra da radical transformação de Sarah Connor em O Exterminador do Futuro 2 ?). A justificativa de hoje é que personagens desse tipo eram escritas por homens e isso acabava por tirar a real identidade feminina da personagem em questão. 

O filme o qual Chris se referiu traz boas lições para uma sociedade dominada por longas de ação protagonizada por homens mas se a piada pegou mal, pegaria ainda pior se realmente alguma iniciativa se levantasse para a continuação desde filme. Pra ser bem sincero, nessa ótica, seria até uma referência carinhosa se na verdade a situação de Jada fosse algo natural, mas não é. Para o espectador que assistiu, parecia um estilo ou um corte de cabelo optado por Jada - afinal, artistas estão sempre inventando alguma moda. A verdade é que Jada sofre de alopecia (nome científico relacionado à calvície). Portanto, não se trata de um corte e sim de uma doença que força a atriz ter essa aparência e isso é terrível. 

Imagine, você conviver, nascer ou então estar em um estado o qual não se sente feliz e aí vem alguém e impulsiona esse ponto fraco. Falta empatia, sensibilidade, enfim, falta tudo da parte de quem não vê esse lado ou pesquisa ou estuda sobre. E não há outra palavra para descrever esse tipo de gente que prefere ser ignorante como um verdadeiro burro de galocha. No máximo é rir fazendo de conta que ri de nervoso. A verdade é que a pessoa ri por ser uma porta. Apenas isso. E o pior que ser uma porta é ser uma porta sem manete - a pessoa que tenta fazer a pessoa entender, só ficar perdendo tempo  empurrando uma porta emperrada à toa. E é por isso que debater na internet é perda de tempo de vida desnecessária: é estar empurrando uma porta emperrada que nunca vai abrir a mente ou os leques (apenas se passar por uma experiência realmente pesada ou às vezes nem isso).  


É uma questão que vai muito além de quem está certo ou está errado. É ação e reação em legítima defesa, simples assim. E quem tá reclamando de "desequilibrado" da parte de quem reage assim, imagine então essas mesmas pessoas colocarem sua própria esposa ou a sua própria mãe ? É, pois é, com a cara lavada vai responder: "- Eu levaria numa boa." sabendo que ninguém realmente imaginaria a que ponto chega o seu próprio limite. 

Sim, é uma questão difícil de responder, não existe uma única resposta por mais que pessoas disfarcem isso por trás de um computador. O negócio é: quando é que essas pessoas vão realmente encarar a realidade desconectada ? 


Pense bem antes de falar.  

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