domingo, 23 de março de 2014

[Sessão Crítica] Alemão (Brasil, 2014)

NESTA POSTAGEM
SESSÃO CRÍTICA
Alemão
Ficha Técnica


SESSÃO CRÍTICA
Alemão

PIQUE ESCONDE SEM ESTRELISMOS
Alemão mistura ficção com pitadas de documentário 

Quando ocorreu a ocupação ao Complexo do Alemão em 2010, eu imaginei que essa gloriosa vitória das forças de segurança poderiam render um bom filme. Ou então, nenhum filme nacional poderia registrar uma grandeza ficcional a altura assim como nenhum outro filme Americano poderia registrar algo fictício a altura do fatídico 11/9.

Desde que deixaram de ser meros personagens caricatos do cinema, falar de terroristas nunca mais foi a mesma coisa. Falar de polícia na comunidade acabava por se tornar a mesma afirmação, com base na então supremacia dos heróis traficantes: intruso e inimigo nunca mais. A população finalmente via a imagem do policial como o verdadeiro herói - e essa importância certamente foi de extremo vigor para a formação das crianças destes territórios tomados pelo tráfico.

Temos muitos motivos para mudar o país, mas dizem que Brasileiro não faz nada. Dizem que Brasileiro só faz alguma coisa pelo país quando quer fazer. As iniciativas geraram repercussão justamente em um momento de grande evidência do país lá fora com a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016: a ocupação ao morro do Alemão; a instalação das UPPs; a luta do povo além dos R$ 0,20 e a prisão dos mensaleiros.

Os movimentos do Passe Livre (Jornadas de Junho) reuniu mais de 100 mil manifestantes em todo o país. O maior movimento desde os Caras Pintadas, pelo "impeachment" do então ex-presidente Fernando Collor de Melo em 1992

Desde as antigas histórias, dizem que a Independência do Brasil era uma farsa, fica uma pulga atrás da orelha ao questionar se o Brasil tem medo de contar as suas verdadeiras histórias. Apesar de ser uma obra de ficção, Alemão não ignora esses movimentos que levaram toda uma população às ruas (desde a confirmação do Brasil se tornar a sede da Copa às diversas manifestações pelo país desde 17 de junho de 2013), mesmo que seja por imagens que ajudam a trazer uma camada mais real ao longa.

Sim, o cinema Brasileiro cresceu - ainda que em tempos de Tropa de Elite (2007) havia uma reclamação desnecessária por parte de alguns com a popularização de filmes Nacionais realizados em favelas desde o icônico Cidade de Deus (2002) - o salvador da nova era dos filmes nacionais, provando que o Brasil pode sim fazer bom cinema em outros gêneros que não sejam pornochanchada. E aí resolveram intitular este gênero como Favela Movie. Filmes que certamente trazem um conteúdo bem mais a cara da nossa população dos tempos atuais.

Com o sucesso de Cidade de Deus e Tropa de Elite no gênero, a evolução dos filmes pornochanchada foram certamente a atual enxurrada dos filmes de comédia nacionais - que se não apelam mais para o sexualismo, também não fogem do besteirol ou do humor pastelão - para todo bom Brasileiro que não curte as comédias cult ou fora das influências do cinemão Americano.

Com um orçamento de R$ 4 milhões, "Alemão" foi inicialmente apresentado com o título em inglês Rio Siege (Rio Cercado) pela distribuidora européia Hanway. A direção de José Eduardo Belmonte - com roteiro de Gabriel Martins e produção de Rodrigo Teixeira - conduz um elenco estelar marcado por Caio Blat, Milhem Cortaz, Otávio Müller, Cauã Reymond, Gabriel Braga Nunes e Antônio Fagundes. 

A maioria dos atores (muitos Globais) tem seus trabalhos conhecidos na TV e no cinema. 
Milhem Cortaz vem diretamente de Tropa de Elite 1 e 2 - imortalizado como o corrupto Capitão Fábio - aqui ele ironicamente apresenta o oposto como Branco, um policial ligado à família e incorruptível. Gabriel Braga Nunes e Marcelo Melo estão na novela Em Família (de Manoel Carlos) e interpretam um dos cinco policiais infiltrados, Danilo e Carlinhos respectivamente. Otávio Müller é mais conhecido por atuar em comédias e se torna surpresa aqui ao ser também um dos policiais mais bem disfarçados entre os protagonistas, na pele de Doca. Caio Blat é o policial caçula da equipe, filho do delegado Valadares (Antônio Fagundes, que mantém a sua admirável figura paterna e severa de seus outros papéis com muita convicção).  

Doca (Otávio Müller), Danillo (Gabriel Braga Nunes), Carlinhos (Marcelo Melo), Branco (Milhem Cortaz) e Samuel (Caio Blat) - heróis sem estrelismos

Cauã Reymond prova o seu valor em comparação aos galãs Hollywoodianos (como Brad Pitt e Leonardo DiCaprio) e aposta em encarar novos desafios sem ter de se acomodar a sua boa imagem. Como Playboy, Reymond é o chefe do tráfico - nome apelido bem associado ao seu tipo de personagem, elegante e cativante, que poderia ser comparado ao traficante Nem (ex-chefe do tráfico da Rocinha). 

Os traficantes pegam mais leve na ironia - em comparação ao jeito escrachado de Cidade de Deus (2002) - e são levemente mais formais na postura de voz e mais restritos a repetir os mesmos palavrões, mais notado pelo personagem Senegal (Jefferson Brasil), o braço-direito de Playboy. Há poucos bordões como em Tropa de Elite (2007) mas que conseguem descontrair mesmo pela simplicidade em comparação ao texto das obras dirigidas por José Padilha.  

A música "Gloria", do MC Marechal, ainda que agradável aos ouvidos, chega a ser deveras formal para o que se escuta nas comunidades cariocas atualmente (muito sexo explícito e pouco conteúdo). De qualquer forma, ter essa música como tema traz um charme à recriação de uma favela cinematográfica e se torna uma boa viagem aos bons tempos do funk dos anos 90.

O enclausuramento dos cinco policiais concentra a história em um confronto de argumentos. Ainda que tenha pouco conflito a nível de Os Vingadores da Marvel (explorando a genialidade de cada personagem) para temperar o ritmo - conta com interessantes imprevistos que unem os personagens em determinados momentos de tensão.

Poderia parecer pretensioso, mas mantém a boa tradição ao procurar fidelizar a cara pessimista da dura luta contra o crime e sem pular pra pornochanchada. Entram também algumas outras contextualizações vividas em nossa sociedade, como a desconstrução da cultura (um traficante vestindo camisa da maior torcida de futebol do Rio) e da religião (um policial católico que bebe, fala palavrão, usa crucifixo, lê a bíblia e vai à igreja). 

MC Smith (morador do Alemão) ensinou o linguajar do tráfico ao elenco e vive na trama como o traficante Mata Rindo, em seu entusiasmo arriscou até dizer em possibilidade do filme concorrer ao Oscar. Parece exagero, mas a trama não se entrega em soluções convencionais. O desenvolvimento dramático, se encontrando muito bem com o suspense combinado a trilha composta por Guilherme Garbato e Gustavo Garbato, pode até mesmo lhe dar a garantia de alguma indicação - a fotografia inclusive é um bom destaque para receber o nosso Punho Dourado

O "papo reto": É a melhor estréia da semana passada e vale por fugir de alguns clichês frequentes do gênero (sejam elas inspirações nacionais ou enlatadas) mostrando algumas situações pouco habituais e nada gloriosos por parte de uma macabra aventura que bem conhecemos de outros grandes trabalhos cinematográficos nacionais e das situações reais e trágicas da segurança em nosso país. 


FICHA TÉCNICA 
Duração: 90 Minutos
Gênero: Drama
Direção: José Eduardo Belmonte
Comunidade: Facebook
Sessão Acompanhada: UCI Kinoplex Norte Shopping - 17:20 - 14 O - 23/03/2014
Sinopse: Alemão conta a história da ocupação do morro do Alemão vista com os olhos de quem participou de dentro. Cinco policiais estão infiltrados na favela e elaboram o plano de invasão. Mas os traficantes recebem suas fotos e agora a caçada é da polícia em cima dos traficantes e dos traficantes em cima dos infiltrados. Sem contato com a rede de comando para estes resta apenas um porão de uma pizzaria no morro e poucos mantimentos. A história de heróis desconhecidos que contaram um dos maiores episódios da luta contra o tráfico e da violência no Brasil.
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