Precisamos falar sobre spoilers.
Exibido após o show da Lady Gaga em Copacabana, neste último sábado (8), fui pego de surpresa com a chamada dos créditos do filme em exibição. Eu estava para me preparar para algumas coisas, mas uma voz me dizia: "assiste!", "assiste!", "se não vai perder o filme".
Ok! Parei para assistir. E fui surpreendido com o nome de Lady Gaga e Adam Driver no elenco. Peraí, este título, "Casa Guci", não me é estranho. Ouvi esse nome muito há alguns anos entre os indicados ao Oscar (ou as premonições).
Entre afazeres paralelos, a trama foi me prendendo. É importante citar a dinâmica ágil entre o competente e experiente elenco.
A começar que a história envolve cenas de festa em discoteca — e isso me remeteu rapidamente a como eu conheci O Pagamento Final (exatamente, em uma exibição no Corujão da Rede Globo de televisão lá para meados de 1997 ou 1998, talvez, um pouco depois).
Eu ainda não irei comentar sobre spoilers, mas já senti um déjà vu nesse filme: exibido no Corujão, na madrugada, na Rede Globo, cena de discoteca.. e aí, do nada, Al Pacino? Pois é, muitas coincidências cinéfilas em uma madrugada só. Pronto, eu já deixei um spoiler aqui.
E, olha, essa reflexão é só para apaixonado por cinema do seculo XX: eu já estava sentindo falta do Pacino e de suas icônica falas pausadas — soletrando, de forma imponente, uma expressão forte para explicar um evento ou confrontar alguém. Esse é uma lenda.
Outra coisa que me prendeu no filme foi, com o clima de discoteca, uma trilha sonora clássica. Aquela trilha sonora carregada com ares de nostalgia e glamour, como também senti em Boogie Nights e Studio 54. Esse clima setentista, já nos entrega mais algumas pistas sobre do que se trata este filme.
Comecei a prestar atenção nas transformações do elenco. Temos Adam Driver, que havia recém saído da saga Star Wars. Diferente do semblante agressivo e ameaçador do papel que lhe deu fama como o guerreiro Kylo Ren, aqui vemos um Adam Driver em semblante sereno, transitando entre a simpatia, humildade (ao ter que redimir o posto de príncipe para se casar com uma plebeia) a um herdeiro com alta responsabilidade de governança de um império.
No entanto, temos também presenças surpresas que poderia parecer estranhas ou medíocres, mas, muito pelo contrário, ótima surpresa e tons de alívio cômico, além de um certo clima de tensão familiar entre todos: o que vai acontecer? Aquela brincadeira de detetive: quem será o traidor? Vai ter traição?
Aqui, a gente deixa um momento de silêncio para os spoilers: A relação entre Mauricio Gucci (Driver) e Paolo Gucci (Jared Leto) parece brincar com esse clima de traição, tendo também o envolvimento de Al Pacino (Aldo Gucci) no meio. Jared está irreconhecível graças à ótima direção de maquiagem, indicada ao Oscar. No final, até o próprio Aldo que poderia nos passar a sensação de que se tornaria um vilão em potencial, também vira um alívio cômico, como se fosse um vilão de desenho animado em que as coisas acabam não dando certo no fim — fazendo as pazes com Paolo. Pronto, seguimos em frente na Casa Gucci.
Sem conhecer a sinopse, não sabemos exatamente em que época o filme se passa — apenas uma noção.
Acredito que muitos hoje saibam (ou, quem é mais velho, já deve ter conhecido papo de muitos anos).
Logo nos créditos, já anuncia que a trama é baseada em uma história real. E a maioria das histórias reais tem situações muito em comum quanto ao gênero.
É notável em Lady Gaga, a mudança em seu semblante de elegante e provocante, assim como também misteriosa e com tons de humanidade na pele de Patrizia Reggiani, uma personagem autêntica que vai se transformando em alguém com transtornos e com semblante cada vez mais sério (por vezes, sentimos fragilidade ou a sensação de que ela vai se expressar com tons de arrogância). Mas com sua origem misteriosa, estranha, já avisava Jeremy Irons (Rodolfo Gucci) que não aprovava o namoro do filho (Maurizio). E então enfrentamos com o protagonista, aquela tradicional briga envolvendo o preconceito de um homem rico se casando com uma mulher pobre de classe media. Maurizio aceita declinar toda a sua herança e fica desempregado. E então, em troca do amor, pede aos pais de Patrizia a mão da filha em casamento enquanto passa a viver brevemente uma vida de plebeu CLT comum. Uma história clássica de conto de fadas, não é? Me remeteu, imediatamente, Uma Linda Mulher e, mais recentemente, Anora. Estou em mais um déjà vu.
Outra coisa que me chamou muito a atenção, embora a cópia dublada, são os sotaques em italiano. Então, estamos num cenário em que se conta uma história sobre uma família italiana. Pode parecer uma coisa de filme de máfia e até, em algum momento, o filme parece brincar com isso.
No entanto, para aquele que pegou a fita no seu armário de gravações de filmes da locadora e da televisão, pode não ter informação alguma sobre a sinopse ou tampouco a capa do filme. Da mesma maneira, assim é, quando assistimos algo, de surpresa na TV. Chegando nos momentos finais, decisivos, do filme, temos uma data. E então, podemos ter uma ideia de que época o filme se passa. Salma Hayek (Pina Auriemma), outra surpresa no elenco. Sua presença também nos dá uma brecha sobre a época. Sua presença na televisão, como uma cartomante, solicitando que as pessoas entrem em contato pelo telefone, parece aqueles programas de televisão que compram espaço na madrugada, mas a diferença é que ninguém, mas ninguém mesmo assiste, só a Patrizia, que numa ligação já é atendida pela Salma Hayek e aí ela se torna a sua conselheira e confidente espiritual, emocional e criminal.
Lembra de quando eu disse que precisaríamos falar sobre spoilers? Então, notei que as avaliações da crítica especializada foram quase mistas na época. Quase divididas, no entanto, dentro da média: é considerado bom, mas não tão surpreendente. E isso pode ter se comprometido com o fato já ser conhecido como um escândalo no mundo da moda italiana. A história real costuma cair naquele velho conto de "todo mundo conhece". Mas vale lembrar que filmes baseados em fatos reais são filmes com fatos reais e não exatamente os próprios acontecimentos. E é por isso, por não conhecer a história, é que pude me surpreender. No entanto, me surpreenderia muito mais se eu não bancasse a curiosidade de entrar no Google e pesquisar o nome do filme para ver em qual streaming ele está, entrar no streaming e ler a sinopse.
Eu tive um certo tempo para entender o que de fato é realmente spoiler.
Por exemplo, na época da Revista Herói, situações sobre a série Os Cavaleiros do Zodíaco eram adiantadas pelo público. Mas grande parte do que liamos era texto ou imaginamos como seria a história dali para frente — vendo novos personagens e novas situações sem entender muito do que esta acontecendo mas se empolgando e se interessando cada vez mais com o que vai acontecer. Hoje, na internet, jogar uma imagem exata, tirada por uma foto de celular dentro de uma sala de cinema ou gravando vídeo (mesmo que em má qualidade), é bem diferente (a sua memoria já imediatamente registra e você já está graficamente informado o que vai exatamente ocorrer — muito diretamente).
O mesmo caso ocorre quando um jornal adiantava a sinopse das novelas, escrevendo tudo (ou parte dela) do que vai acontecer, conforme liberado pela emissora. E, por vezes, se há um caminho alternativo, a trama ou a situação pode mudar ou "a emissora não forneceu informaçao sobre a sinopse".
Mas hoje eu poderia dizer que spoiler é algo muito relativo — vai depender do seu interesse até que ponto você quer saber sobre aquela história.
O clima familiar entre os Gucci fica perturbado, Patrizia esta mexendo os pauzinhos. E por um instante, cheguei a pensar até se Patrizia se separaria de Maurizio e arrumaria alguma aliança com Paolo na intenção de separar a família e tomar o poder para si. Seria ainda mais revoltante e nojento, no entanto.
Apesar de toda uma discussão de que poderiam ter aprofundado uma coisa aqui e ali principalmente após os acontecimentos do crime , acredito que buscaram fazer tudo da maneira mais equilibrada possível justamente para o espectador que realmente não conhece nada da história entrar nela e sentir algo realmente autentico e ficar dividido ou pensativo sobre aquele acontecimento, além de ficar chocado e se segurando todo na cadeira. Tem coisas que não precisa ficar se explicando muito, para bom entendedor, meia historia basta.
A surpresa final foi ainda mais chocante ao ver que nos créditos a direção ficou por conta de ninguém mais e ninguém menos que Ridley Scott. Conhecido por filmes de ficção científica icônicos, me surpreende porque em momento algum eu pude desconfiar que Casa Gucci foi dirigido por ele — a identidade de um filme que trabalha com relação familiar não é muito habitual em suas obras. Ainda que temos o Oscarizado Gladiador em seu currículo, um dos melhores filmes dos últimos tempos que abriu o início da década de 2000 — com uma trama de traição familiar forte e aqui as coisas rumam para algo diferente.
Uma característica em comum em seus filmes, talvez, seja o fato dele curtir apresentar protagonistas femininas provocantes (Lady Gaga, no papel de Patrizia). Em Hannibal (2001), Scott mudou a personalidade de Clarice Starling, a contar pela forma como ela se veste. E isso não agradou Jodie Foster, a intérprete da personagem no filme anterior — o Oscarizado histórico de Melhor Filme, O Silêncio dos Inocentes — que abocanhou os principais prêmios da edição de 1992 — marco para os filmes do gênero suspense/ terror. Foster, no entanto, sempre se incomodou com o assédio que recebia ainda adolescente e acabou por optar em assumir personagens mais reservados. Jodie, no entanto, recusou retornar e o papel da Clarice repaginada acabou ficando para Julianne Moore (O Mundo Perdido — Jurassic Park).
Reescalações são algo que sempre me incomodou. Quando eu começo a me acostumar com o ator, acontece uma nova reescalação. No entanto, acompanhei 007 pra valer na era Brosnan, então até compreendo que reescalações fazem parte de uma longa cinessérie como essa.
O problema é quando isso envolve uma história contínua. Por isso, me incomodou muito a reescalação em Batman Eternamente, em relação a Batman: O Retorno (que, apesar de se fechar como um grande espetáculo, parece não ter encerrado uma história ou uma trilogia digna com Tim Burton),
ainda que eu compre toda a comoção em torno do astro Val Kilmer — do fundo do coração.
Outro caso que também foge do comum na cinebiografia de Ridley Scott está O Último Gângster. Que, no entanto, também aborda uma história baseada em fatos reais sobre crime e máfia —o que pode relacionar meio que direta ou indiretamente associar ao gênero de Casa Gucci.
Após assistir tudo, fui pesquisar um pouco sobre a história real e realmente esse fica para o Momento Pós-Crítica porque as caracterizações dos atores estão muito parecidas com os personagens reais da trama.
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